segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Revista Fatos e Fotos n. 787, setembro de 1976

CELLY CAMPELLO

Aposentou-se há 12 anos. Agora, está de volta em Estúpido Cupido a pedido de quem não era nascido naquela época. Como é que pode? A sociologia explica

Reportagem de Nello Pedra Gandara

Fotos de Olimpio Saynoviscky

Se jovem também sente saudades, como dizia o disc-jockey, atualmente está sentindo mais do que nunca. A nostalgia de um passado recente se encontra em plena moda. E a prova disso é a novela da Globo, Estúpido Cupido – que revive, em texto de Mário Prata, a precocemente saudosa década de 60. Fiéis a esses anos, as músicas da novela são quase todas velhos sucessos de Celly Campello.

Como resultado dessa volta inesperada, Celly passou toda a ultima semana num corre-corre, queixando-se da falta de tempo para preparar o lanche das crianças. Sem “braços nem ouvidos suficientes para atender a tantos convites e convocação de volta, volta! Ela não tem tido tempo nem de oferecer um cafezinho caseiro para os renovados fans que a visitam diariamente.

“Até as plantinhas lá de casa – diz ela – imagine só, ficaram sem o copinho diário de água”.

No exterior, foi em 1973 que Bill Halley & Seus Cometas, Chuck Berry, Little Richard e o rock n’ roll voltaram. A todo vapor. Em Loucuras de Verão e a Ultima Sessão de Cinema, o cinema tornou-se nostalgia. No Brasil, este segundo semestre de 1976 é a hora e vez de Estúpido Cupido.

Enquanto isso, em São Paulo a bilheteria do teatro que anuncia “Rita Lee, a Rainha do Rock Brasileiro” em Entradas e Bandeiras, está fechada. A artista encontra-se no Presídio Feminino, acusada de consumir uma mania de hoje (tóxicos) e aguardando o pronunciamento da Justiça. O contraste não para aí. Rita Lee, a titular do rock, 29 anos, desquitada, mas, grávida de três meses, vive com dois gatos maracajás (primos da jaguatirica) numa casa tão folclórica quanto tresloucada. Celly, 33 anos, continua com o mesmo marido (contador da Petrobrás), em Campinas, na companhia de dois robustos filhos, de 13 e 11 anos, num apartamento confortável, mobiliado no mais puro estilo colonial autêntico. Cheirando, não a maracajá, mas a marcenaria. Tudo muito coerente. Quando Celly abandonou a vida artística, em 1964, pouco antes do estouro de Roberto Carlos e sua Jovem Guarda, foi mesmo para voltar a ser Celinha e se casar com o namoradinho de Taubaté, realizando assim o “maior sonho” de sua vida. Um sonho que, até hoje tem muito a ver com as letras versionadas de Fred Jorge.

“Realmente – diz ela – eu era aquela menininha ingênua, de sapatinhos cor de rosa, que os pais queriam para filha e os brotos para namoradinha da saída da missa, ou da matinê dançante no clube. Só que, hoje, de forma adulta. Acredito nelas, sabe”?

Sobre o imaculadamente limpo chão de sinteco de Celinha (ou D. Célia?), alguns discos jogados, Mas nada de Estúpido Cupido, Lacinhos Cor de Rosa ou Banho de Lua. Quem pilota a vitrola é a filha mais velha, Cristiane, que nem sabe quem é o tal versionista Fred Jorge e prefere outros sons, mais internacionais.

Eduardo, o filho mais novo, chega a demonstrar desagrado pelas letras das canções maternas: Oras, onde já se viu carinha andando de lambreta? Quem anda de lambreta é coroa. Cara anda é de motoca. E a mamãe está nessa, de lambreta!

Eduardo acaba de chegar da escola. Mamãe, como sempre foi busca-lo. E, durante todo o trajeto ele veio falando em Estúpido Cupido. Estranha que só agora seus colegas comecem a cantar aquelas canções que ele já enjoou de ouvir. Pois Celly canta enquanto arruma a casa e passeia com seus filhos. Ele estranha, mais ainda, perguntas do tipo:

“Oi carinha, você é mesmo, de verdade, filho da Celly Campello?” Eduardo, o marido, está absorto, como os filhos, na televisão, que inicia a chamada para a novela das sete, aos sons de Estúpido Cupido. Mas é sobre Tony que Celly mais gosta de falar:

Eu não teria existido artisticamente, se não fosse o Tony, meu irmão. Ele é um pouco mais velho, mas sempre fomos muito ligados. Aliás, nós três somos muito ligados. Pois há o Nelson que ainda mora em Taubaté e é dono de uma livraria (a maior de lá). Quando Tony fez 17 anos, quis vir trabalhar na capital paulista. Nosso pai era bastante liberal, gostava de nos ver cantando e recitando nas festinhas da cidade. Mas Tony veio a São Paulo para estudar e trabalhar num escritório. Eu continuei em Taubaté, com 14 anos, estudando piano, ballet e aprendendo inglês. Como sempre, almejava casar e ter filhos. Tony, com a mania de violão e de música, acabou conhecendo o acordeonista Mário Gennari Filho.

Isso aconteceu em 1958. E a época marcava o estouro musical de Elvis Presley nos Estados Unidos, Aqui, o rock sofria com as investidas de Lana Bitencourt e Carlos Gonzaga. Gennari, papeando com Tony (Sérgio, na vida real) mostrou-lhe dois playbacksFor Give Me e Handosome Boy – que a Odeon acabara de receber dos Estados Unidos, para botar letra aqui. Balada até que ia bem com a voz de Sérgio. Mas para o outro lado do 78 rotações, Gennari queria uma voz feminina, que soubesse dizer algumas palavras em inglês. Quem sabe, uma dupla?

Tony pegou o primeiro ônibus até Taubaté, que ficava há quase três horas de São Paulo. (Hoje, o percurso se faz em uma hora e pouco). Trouxe a menina Celly, de 15 anos incompletos, para fazer o teste. O disco conseguiu alcançar as paradas de sucesso. Os dois interioranos, com seus rostos estampados em cartazes coloridos, davam a entender que se tratava de uma dupla norte-americana: Tony e Celly!

“De tanto Tony insistir, deixaram que eu gravasse. Fizeram, às pressas – e meio contra a vontade, acho – uma versão em menos de duas horas e lançaram, rapidamente, um 78 rotações. Sabe quanto vendeu? 100 mil. Um recorde absoluto na época, pois um sucesso mal alcançava 20 ou 30 mil discos. Em seguida, inventaram o Banho de Lua, e foi outro estouro: vendeu mais ainda. E daí apareceram os convites para shows, apresentações, os fã-clubes, as revistas e aquelas coisas que a novela das sete está mostrando. Se fiquei rica? Oh, não!”

“Tony estourou. Só que meu estouro foi maior que o dele. E isso só aconteceu porque ele sempre cuidou mais da minha carreira que da dele. Até hoje é assim. Atualmente, é produtor de discos da RCA e está trabalhando arduamente na produção do meu novo elepê. O sétimo que eu gravo.”

“Não foi por isso não mamãe” – atalha Eduardo – o tio não estourou porque não pintou um Estúpido Cupido na vida dele.”

“Meu macaquinho está certo – concorda mamãe Celinha (com um sorriso de quem está pedindo desculpas) – esse Cupido nada estupido foi quem mais me ajudou. Mas eu também andei dando outros recados musicais, hein?”

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